ÉRAMOS ADULTOS

Éramos adultos.


            Éramos todos adultos. Os vincos no rosto, os fios grisalhos nos cabelos – daqueles que ainda os tinham -, a postura de quem já enfrentou uma vida de lutas, de pequenas alegrias, de grandes apreensões, assim o comprovava. E fazíamos figura.

            Éramos adultos. Homens! Pais de família, profissionais, cidadãos dignos, cumpridores de seus deveres para com Deus, a Pátria e a Família. Pessoas sérias cujo dia-a-dia forçava manutenção de uma máscara sisuda, semblante pesado. E fazíamos figura.

            Éramos adultos. Ante os demais adultos que nos circundavam, tão compenetrados quanto, mantínhamos a conversa em níveis elevados, escolhíamos palavras, comentávamos sobre a conjuntura, a bolsa, os talibãs. E fazíamos figura.

            Éramos adultos. Nas brumas de um tempo não distante, opaco pelas próprias circunstâncias, agradáveis fantasmas nos acenavam. As bolitas, o peão, as pandorgas, bicicletas de poucos (invejadas pelos demais), a tropa de osso, o colo de mãe. Mas fingíamos não os ver, afinal, fazíamos figura.

            Éramos adultos. as escondíamos no peito, sepultadas por aparências sérias, crianças, ávidas por liberdade. Crianças que amenizavam o frio mundo adulto com sua alma pura. Em um tempo, como adultos, conquistamos brinquedos. Brinquedos com duas rodas, diferentes potências, diversas aparências, distintos valores,  paixões em comum. E fazíamos figura.

            Éramos, ainda, adultos. Mas sobre a máquina, já despíamos as sisudas máscaras. O vento no rosto, o ronco do motor e as rodas engolindo distâncias, disfarçavam nossa aparência, amenizavam os vincos do rosto, escondiam os grisalhos, e podíamos, ainda que em segredo, ainda que num átimo, virar crianças.E fazíamos figura.

            Éramos adultos. Envoltos numa egrégora própria daqueles que ainda sonham, buscamos semelhantes. Outros adultos que também, por instantes, despiam suas próprias máscaras, e deixavam-se acariciar pelo vento, mergulhados na sensação de ser dono de seu próprio destino. Adultos que não se importam em reconhecer o outro como irmão, e como tal, dividir lágrimas, dividir sorrisos, dividir sonhos, somar conquistas. Fazíamos, sim,  figura.

            E tornamo-nos crianças. Crianças de espírito livre, com o poder de transformar máquinas em brinquedos, brinquedos em sonhos, e sonhos, em vida. Como crianças, arquitetamos um mundo, aprendemos a nos querer bem, descobrimo-nos a nos amar. Nos aceitando em  nossas semelhanças e diferenças. Soltos nossos sonhos, vivemos o que somos. Já não fazemos figura. Hoje “Nós Fazemos Poeira”.
Márcio Homem 
Porto Alegre - RS.